domingo

O corpo amortecido no sofá da sala. A cabeça latejando pedindo que parasse com isso. Mas não iria. Esperou este momento por muito tempo, e agora que o quebra-cabeça havia ganhado a peça final, cabia a ela juntar os fatos e os reunir no quadro do destino. O ponteiro do relógio tiquetaqueava ansioso, como se quisesse correr mais depressa, esperando as boas vindas da meia noite. Eram ainda 22:35h. Quando deu 23:15h ele entrou escancarando a porta da frente.
- Boa noite. - Disse uma voz seca.
- Não o esperava para esta noite. Fico surpresa com a sua antecedência. A que devo a honra da sua visita? - Ela falou calma porém com um resquício de medo aflorando em seu olhar.
- Você sabe que não lhe devo explicações. Levanta-te deste sofá imundo e se ponha a meu serviço assim como deve ser feito. -
Ela cambaleou até onde ele se encontrava, seu joelho estava ainda machucado pela noite anterior, mas prostrou-se a seus pés e com um gesto forçado beijou-lhe a mão.
Reparou no enorme anel de pedras verdes sobre o seu dedo anular. Pensou que não o havia visto na última vez. Franziu o cenho e levantou-se do chão.
Ele a agarrou pelo punho e com desprezo a jogou na caçamba do carro. Pararam em frente a uma casa enorme, estilo rústico, uma mansão antiga que agora estava coberta pela espessa neve que escorria do céu.
- Não brinque pois sou mestre nesse jogo. - Ele tinha o rosto enrugado. Pelos anos? Não. Rosto enrugado pela arte da tortura, do sofrimento. Um oclinhos de meia lua travava no calombo de seu nariz muito torto. Ou seria quebrado? Nunca soube. Uma das mãos segurava um maço de cartas e as passava para cima e para baixo, brincando. O charuto escorria no seu lábio direito. As fuligens e a fumaça tomando conta do aposento. Um ser muito trêmulo ocupava o lado oposto da mesa. As cadeiras cor vinho da melhor madeira davam uma harmonia especial com os lustres dourados da sala. Tudo de muito bom gosto e requinte. Agora apenas duas das lâmpadas do lustre estavam acessas. O resto da luminosidade provinha de dez velas que crepitavam ao redor da mesa. Um tabuleiro centenário repousava delicado entre eles. Símbolos indígenas combinavam com o verde musgo da base. Dois totens. Um branco e outro preto, cada qual em uma das extremidades do tabuleiro. O branco do lado dele, o preto pertencendo ao seu convidado. Um tanto irônico. O canto esquerdo de sua boca se abrindo em um sorriso estranho. Possuía uma chave, um segredo.
Eles se aproximaram da mesa. Ela não escondia o pavor que percorria sua espinha.
- Sente-se à mesa. - Ele disse ainda seco.
Ela sentou-se ao lado do outro convidado, que agora pálido de terror.
- Boa noite caro amigo. Desculpe interromper a sua brincadeira. Te trouxe a oferenda prometida.- Disse com um sorriso satisfeito.
O homem tirou o oclinhos e sorrindo revelou seus dentes imundos.
- Tenha a honra de partilhar desta mesa comigo, caro amigo. - Disse ele puxando uma cadeira ao seu lado para que seu amigo pudesse sentar-se. Feito isso, distribuiu seis cartas para os convidados e seis cartas para ele e seu companheiro.
- Vocês já conhecem as regras do jogo. Ah, me esqueci que não. Mas acho que não teremos tempo para explicações. - Soltou uma gargalhada diabólica.
Ele pousou suas seis cartas na mesa em fileira, de modo que ficassem para baixo.
- Ponham suas cartas na mesa. - Ordenou.
O convidado muito trêmulo colocou em fileira as cartas, do mesmo modo que ele havia feito com as suas.
- Muito bem, viram como é fácil? - Gargalhou novamente.
Mandou que os convidados revelassem as suas cartas. Depois revelou as suas e disse sarcástico.
- Ora, ora, parece que Romeu e Julieta terão que beber do veneno. Infelizmente nenhuma carta de vocês é compatível com as minhas.- Dito isso somou os valores das cartas dos convidados.
- Total 12. Doze goles para cada um. - Sorriu satisfeito.
Alcançou duas taças e encheu doze goles de uma poção azul. Eles beberam e ficaram doze anos mais velhos enquanto o velho e seu companheiro doze anos mais jovens.
- Hahaha, adoro esta brincadeira. - Disse olhando para o companheiro que estava gargalhando.
Continuaram a jogar por mais duas horas, as cartas viciadas sempre permitiam que os convidados perdessem o jogo. Eles foram ficando cada vez mais jovens a medida que os ocupantes do outro lado da mesa envelheciam até que o pó que restou deles enegrecesse as lindas cadeiras cor vinho.

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Estudante de Administração de empresas, apaixonada por livros, cores e músicas. Começou no mundo literário escrevendo contos de suspense. Possui a arte como hobby. Desenhista, pintora, escritora e sonhadora.