domingo

Tão fácil assim mas não tão compreensível. Claro que não era comum o seu caso, mas deixava sua mente vagar ao encontro dos verdes e belos campos por onde passou. Sabia que alheio ao mundo não tirava nenhum proveito da magnitude deste horizonte tão longo a sua frente, mas apenas sorriu como lembrando da vida que tinha antes. Tão doce, esplendorosa. O sol se punha à altura de seus olhos, parecia que estava se vendo livre das chagas. Puro, imaculado. Puxou o charuto com uma das mãos, um anjo não tem vícios, pensou e seus lábios se abriram num riso sem graça. Poderia dar um fim nisso tudo, mas era no mínimo instigante chantagear a morte. Incomum, talvez indelicado. Apontou o grande foco de luz e calor à sua frente, agora quase dissipando-se. Aurora, aurora boreal? Talvez. Hoje era um dia anormal, levantou com os pés no chão e nenhuma dor rotineira percorreu seu corpo. Seria um aviso, mas um alerta não poderia representar alguma coisa boa. Imprevisível, se perguntou se o brilho irradiado pelo sol não teria acabado com sua dor. Ser majestoso, ó sim. Perfeitamente cuidadoso, as baforadas já estavam no fim, charuto acabando. Era simples entender que um ser tão poderoso como o sol também pudesse ser capaz de curar quando ao seu encontro. E foi o que ele fez, o dia inteiro na presença dele. A insolação já afetava todos os sentidos. O sol retribuiu, trazendo-o para perto de si, lá no alto. Sarcástico, talvez místico. A lua começava a tomar conta, esfriando o corpo ensolarado no chão.

segunda-feira

Assumiu os riscos, surgiu coragem? A neve acariciava seu rosto, mas a frieza de seu ser era maior que a temperatura de sua pele. Duvidou da iniciativa, talvez um lapso de adrenalina. Seus olhos miraram a entrada da trilha, a mata densa de alguma forma o instigava. Os pés marcaram o gelo branco, juntando qualquer resquício de segurança a medida dos passos. Tarde demais para desistir. Adentrou a escuridão verde, esperando que seu coração calmasse a pulsar. Mas o fardo da culpa o motivava a continuar. Aproximou-se da clareira, a neve deixava o ar úmido de inverno ainda mais convidativo. Desenterrou da mochila a mesma pá que antes lhe tinha tirado o sono. Com punhos destemidos começou a cavar a procura da criança. O suor se misturava ao gelo derretido em seu corpo, a fúria aumentando e a profundidade do buraco também. Ossinhos frágeis mascaravam-se de terra. Havia passado tantos anos, mas o choro que agora escorria em seu rosto continuava com a mesma frequência. Mãos trêmulas foram juntando pedacinho por pedacinho e os colocando na bagagem, junto às lembranças dele. Suspirou profundamente, mas voltou a cair de joelhos no chão escorregadio. Tinha tentado, mas dar um funeral digno à criança não o faria abster-se da culpa. Desviou o olhar em direção a pá, sabia o que devia fazer. Uma tacada, duas, três... foi o suficiente. O sol brilhou entre as árvores e foi secando o sangue que havia pintado o gelo branco minutos antes.

sábado

Quer casar comigo southern girl? O sorriso invadiu seus lábios num sim. Os olhos dele irradiaram um brilho solar de verão. Seriam felizes para sempre. Tão original. O monstro avançava nela com uma fúria sedenta, os pratos caíam e o som estridentes dos patifos no chão romperam o silêncio. A fera continuou. Pessoas corriam pelas paredes, desenfreadas. A música lenta continuava ao fundo, como pedindo calmaria. Debaixo dos destroços algo reluzia. O anel. Tentou alcançar a jóia mas seu braço não mexia. Nenhum movimento. Os olhos queriam o que suas mãos não conseguiam tocar. Uma nuvem espessa cobriu sua visão. Onde ela estava? Tentou passos mas suas pernas também não o obedeciam. A fera bufava a procura dela. Sua mente corria junto à anarquia. Ela não tinha controle sob seu corpo. A adrenalina escorreu impaciente nas suas veias, pedia socorro em meio ao turbilhão. Viu ela de relance - a fera se aproximava cada vez mais - a boca dela abriu-se em espanto, mas ele já era sem tempo. De um sobressalto, seus olhos abriram em meio a escuridão do quarto.
Claro que podia se afastar. Mas por quê isso o instigava tanto? Deixou-se levar pela euforia do momento, seguiu um rastro e partiu seu caminho em dois. Duas opções. Ela voltava da casa pelo caminho distinto, pegou o passado e jogou na lama suas lembranças. Não seria complicado. Voltou seu sorriso mas não entendeu o motivo do pesadelo. Seria tão natural a face da fera abrir-se, mas ele não deixou seus olhos mirarem o nada. Encontraram-se os lábios sedentos. Seria apenas uma armadilha. Pretendia continuar tentando uma fuga, qualquer dos caminhos levaria ao mesmo destino. Não é tão fácil seguir a escuridão. Voltaram juntos ao passado enterrado. Algo escondido retornava o tormento. Seria tão fácil a ilusão se ela não fosse doce. Mas o fosse morreu de velho. Caberia a eles buscar entre os ossos entrerrados algum resquício de carne. Uma prova nova. Gostava do teste. Por quê comigo? Porque nunca seria eu se não fosse você. Lógica desentendida. A confusão era tão normal, o louco apenas suspirava os males, apenas os guardava e uma hora explodia. Tão simples e tão difícil compreensão. Queria resgatar o que não mais estava ao alcance. Estendeu sua esperança e agarrou seu túmulo de passados. Voltou.

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Estudante de Administração de empresas, apaixonada por livros, cores e músicas. Começou no mundo literário escrevendo contos de suspense. Possui a arte como hobby. Desenhista, pintora, escritora e sonhadora.