terça-feira

Caía a tarde, o sol se punha na direção do vento daquele dia. A brisa balançava os cabelos e fazia as folhas dançarem em seu ritmo. Os pássaros cobriam o céu alaranjado, seguiam seu rumo em meio a paisagem urbana. O ar estava fresco, convidando a senti-lo de perto. Tocou a pétala azulada que repousava delicadamente sobre a grama fresca. Hm, bela mortis. Sorriu manso. Tão doce e tão venenosa, de fato uma tentação aos olhos mortais. A delicadeza de sua essência transparecia a falsa pureza. Trouxe com o vento a sensação de seu aroma proibido, instigando os fracos a testarem sua inocência. E ele provou. Não compreendia como o gosto de algo tão maléfico podia ser tão sedutor. O cheiro dela o trouxe mais perto, e mais perto da morte também. O sereno da noite já cumprimentava os campos, levando a face degradante dele consigo. Obcecado pelo sabor do pecado, sabia que estava assinando seu próprio suicídio ao tocar o rosto aveludado da flor. Levou os dedos a boca e experimentou o que não queria que tivesse fim. A madrugada adentrou seu ser e sua alma negra inspirou a escuridão da noite, enquanto subia a procura da luz.

segunda-feira

Chorava com o suor pelo corpo. Tremia e as lágrimas já pareciam doces à medida que suas pernas tentavam passos. Os pés varriam o sangue do chão, mas o peso da alma era maior que o peso que seus joelhos carregavam. Como vim parar aqui? Os olhos estavam vendados pela culpa, as cenas repassavam o que ela não queria mais ver. Ser humano frágil. As mãos abertas em feridas transpareciam a carne articulando os ossos, enquanto ela ria. Tinha valido a pena? Sim, sim. "Ha, ha, ha". Apodrecendo em meio as vestes encardidas, seu corpo se esvaía, mas sua alma não podia dissipar-se. Ela sorria vendo o rostinho do menino deitado, tão pequenino. "Ha, ha, ha". Não sabia se sua risada soava mais alto que a dor de suas feridas. Apenas um disfarce. Mas ele respirava tão profundo, tranqüilo no seu sono inocente. Melhor não acordar. A mão putrefa dela balançava o bercinho, nhec, nhec. Tinha feito justiça com as próprias mãos, agora ele era dela, só dela. A sensação de posse invadia seu corpo frágil, e o menino sorria com o doce sonho, a pele branquinha. Os olhos injetados de sangue estavam com um pingo de piedade. Queria tanto aquele garotinho. Estendeu seus braços, e com o pouco de força que ainda restava, segurou a criança em seu colo. A roupinha muito branca enxarcou com o sangue dela, e ele abriu a boca num choro imaculado. Lentamente ela voltou a sentir as lágrimas escorrendo no seu rosto, o coração batendo fraco, respiração quase interrompida. O bebê chorava alto enquanto ela padecia com seu filho nos braços.

domingo

Os passos continuavam silenciosos, as sensações ao redor deles, o ar pesado da noite e a neblina os cercando. Os túmulos passavam por eles, a apreensão tomava conta de seus corpos, meramente carne e sangue. A natureza ria, gozando de sua fragilidade. O vento atravessava os ossos, contornando a pele, uivava, uivava, debochando da cara deles. Provocava a desordem, o descaso, tente, tente, ser inútil. Venha lentamente até mim, medo, medo? Não consegue me encontrar? Sinta, sinta, eu to perto. Olhos arregalados, atenção, não travem os pézinhos, coração acelerado? Tomaram conta do inconsciente, esquecidos no buraco negro de suas mentes, cavar? Enterraram mais fundo, sentindo as mãos ásperas de terra. Cheiro podre do pó da carne, as letras jaziam acima, o corpo estirado, perninhas dobradas? Há algo de estranho nesses olhos, não me olhe assim, eu fico tentada. Não passe a língua nesses dentes serrilhados, fico sem controle... misturar meu gosto com o teu? Tenho sede, sede, me deixe beber, beber... girando e cada vez mais fundo... em puro estado de transe, "acorde, acorde, acorde"... O frio percorreu seu corpo novamente, os túmulos a olhavam calados, instigando. Ele a encarava fixo, uma miragem? Seus olhos viam a carne branca dela, roupas rasgadas, imunda de terra e sangue. Do seu lado um buraco enorme cavado entre as árvores, o abismo. "Volta, volta"... ela mordia os lábios, sedenta. Venha até mim, curiosidade? Apontou o dedo para o fundo da terra. "Acorde, acorde..." ouvia estalos, poupe-me. Não me acha parte de seu pecado? Junte as partes, pedaço de mau caminho. A ilusão é sempre doce, quer acordar do sonho? Não, não. Arrastou os pés até ela com cautela, ao mesmo tempo que a euforia crescia. Isso, venha, venha... sorriso. Passos pesados, respiração profunda e os olhos estáticos nela, "não, não, não". Continuou, já não conhecia mais a sua face, a expressão se transformando, a fera bufava, os dentes mordendo a língua, sacia-me, sacia-me. Cheiro da carne, terra esfregando seus dedos, os buracos enterravam seus pés no chão. Anda, anda. Indo, indo, indo. Mais fundo, mais fundo. "Não vou conseguir fazê-lo retornar" indo, indo. O corpo balançou pra frente, uma vez pra trás, lá lá lá lá, ha ha ha, girando, girando, rindo, rindo, rindo. Mais uma vez pra frente, estava gostando da brincadeira, estendeu o braço, tão perto, tão perto. Agarrou o nada, ela ria debochando do outro lado, enquanto ele caia no abismo de sua mente. Plac, plac, estalos. Olhou ao redor, onde ela estava? A cabeça explodindo, pessoas ao redor, gritos. O corpo continuava deitado no chão, sede, sede. Os lábios e a boca sangrando, perninhas dobradas? A terra enterrando seus dedos, afundando, afundando. "1, 2, 3, plac, plac" o cheiro da carne, o ar lhe faltando, estou aqui, aqui. Só restou o braço pra fora, os dedos em desespero, me salve. Ela sentiu o sufoca dele, o rosto começava a arroxear, passos desequilibrados, braços esticados, arght, arght, garganta sufocava. Os olhos muito vermelhos escorriam lágrimas e seus joelhos desabaram na terra, sem força. "Que seja ao seu lado então". "Nãããããããão, volta, volta, volta, plac, plac, plac...".
"HAHAHAHA,mais rápido, vamos, HAHAHA". Cheiro de vento, hm, aguçava os sentidos. Quero voar, anda, anda... compartilhar da minha felicidade? Arght, meus braços estão doendo , lálá, din don...TIC TAC, TIC TAC. Olhar vidrado, poupe-me criança. O corpo estava estático, apenas o movimento dos músculos do braço. Girava a criança, girava, girava. Brinquedo maldito. Lá, lá. "Vamos, mais rápido HAHAHA". É o meu pesadelo criança, já basta o coração sangrando negro. Volta, volta. "HAHAHAHA". "Nhec, nhec". O vento ficava mais forte, soprando as folhas do chão. hm, cheiro de terra. Os cabelos e as roupas choravam, a chuva se transformando em tempestade. Olhos estáticos? Corpo Vidrado? "HAHA, isso, rápido, rápido." Acelerou as engrenagens dos braços, queria adrenalina? Vai voar maldita. Girando, girando. As mãozinhas suadas pela chuva deslizavam do brinquedo. "HAHAHA, vou girar, mais rápido, mais rápido?" Crec, crec. O vento levou o sangue pelos ares, os lábios sorriram, ouvia o grito da criança e sentiu a euforia aumentando. Rápido, rápido. Os dedos pequenos deslizavam, deslizavam. "HAHAHA". Fugir? Não, vai ficar aqui. "Vlop, vlop". O corpo estirado no chão, os ossos tremiam e ele sorria "Bem feito maldita" corra agora, corra, ah, não consegue? Deboche, deboche. O vento penetrou os ferimentos abertos, frio na espinha. Vou serrar seus ossinhos maldita. Acabar com a dor? venha até mim, não vou te fazer o mal. TIC TAC, TIC TAC. Eu só quero te ver feliz maldita, vou acabar com a tua dor. Sono profundo? Caminhe até mim, lálálá.
A voz doce embalava a criança que o olhava fascinada. Nada tirava aquele sorriso de sua mente. Din-don-din-don, a canção a fazia entrar em transe. Como era fácil domar essa menina. Olhava para ela com a frieza mais cruel que seu olhos eram capazes de transmitir. Lá-lá-lá. Ela continuava extasiada. Seus lábios se abriram no sorriso mais persuasor que prendia a atenção dela. Olhinhos brilhando, pele rosada de pasmo. "Levanta-te menina". Nhec,nhec. Perninhas arrastavam o que ela chamava de corpo. A carne tão branca e fresca o atraia. Dentes faiscando. A voz doce continuava encantando os ouvidos dela ao fundo. Sua mente vagava e ela se deixava levar pelo embalo. A boca abriu-se com sede e ele se aproximou. Lá-lá-lá-lá. "Chegue mais perto criança.". Nhec,nhec. Pés levavam a poeira do chão consigo ao passo que caminhava. A mente vagando com o timbre da voz. A boca gritando de desejo. Nhac. A fúria de sua sede não o deixava parar. Sangue fresco. Ela foi ficando mais pálida, suas bochechas não eram mais coradas. Foi escorregando enquanto ele ria.

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Estudante de Administração de empresas, apaixonada por livros, cores e músicas. Começou no mundo literário escrevendo contos de suspense. Possui a arte como hobby. Desenhista, pintora, escritora e sonhadora.