domingo

O céu nublado e raios desenhando na escuridão do dia traziam a chuva que se confundia com as lágrimas dela. Ajoelhada sobre a terra com seu cachorro desacordado em sua frente, não acreditou que fora incapaz de segurá-lo em seus braços, deixando-o cair duro no chão batido. Será que ele se machucou? Não se perdoava, e a amargura trazia aflição a sua alma, olhando o pequeno companheiro estirado de costas no chão, os olhos semiabertos pelo efeito da anestesia. O vento fazia sua pele arrepiar-se de frio, mas não podia abandoná-lo assim. Pensou que quando o efeito da anestesia estivesse passando e o cachorro fosse tentar passos grogues, poderia vir a cair na escadaria que antecedia seu refúgio. A dor em seu peito era imensa, as lágrimas incessantes e a culpa adentrando seu ser traziam uma sensação insuportável, quanto mais a uma criança. Pegou o amigo no colo e o trouxe pra si, seu pelo molhado sujo de terra exalando um cheiro forte, a língua entre os dentes escorria pela lateral de sua mandíbula. Embalando-se para frente e para trás iniciou uma espécie de canção, como se fosse um jingle infantil. Ela continuou cantando até a madrugada chegar e vendo-o ainda em estado vegetativo um desespero surgiu em suas entranhas. Um frio percorreu seu corpo, diferente daquele que sentia pelo uivante e gelado vento que cortava o céu, era um frio interno que percorria sua espinha e fazia embrulhar o estômago. Ficou de pé e tentou fazer o mesmo com o cão, mas ele permanecia mole, suas patas tocavam o solo e logo desfaleciam, levando seu corpo com elas. Seu choro já se resumia a soluços gritantes e tentou inutilmente chamar seu nome, em timbres desconformes que se atrapalhavam pelos suspiros incansáveis. Trovões estremeciam a terra e causavam pânico na criança. Pensamentos passaram voando em sua mente e lhe surgiu que o impacto dele no chão o tivesse matado. Não, não podia ser. Permaneceu estática a ver fixamente o cão repousado no enlamaçado. Seus olhos ainda meio abertos meio fechados, mas algo diferente havia em seu rosto. Sua mandíbula esboçava como que um sorriso, as curvas de sua boca levemente repuxadas para cima. Ela continuou a observar-lhe por horas, esperando a chuva passar para também seu pesadelo cessar, algo inconsciente, juvenil. Mas o céu limpou e ela continuou imunda, com os olhos pesados e inchados pelo choro. Sabia o que fazer mesmo não querendo acreditar. Pegou a pá e começou a cavar em meio a negritude do céu, cinco palmos seriam o suficiente. Suada e trêmula, acariciou seu companheiro pela última vez e com lágrimas já acostumadas, pousou o belo animal dentro do buraco. Fechou seus olhos com os dedos e sua boca também, recolhendo sua língua. Seu pelo havia secado e aquele sorriso meigo em seus lábios permanecia a encará-la. Levemente foi arrastando a terra de modo a encobri-lo, e ao terminar caminhou sem olhar para trás, o sol matinal já enxugando seu corpinho. Era o dia mais triste de sua vida, além de perder o seu melhor amigo, perdera também a inocência, pois o fardo da culpa ela carregaria o resto da vida, que seu cão não teve.

Um comentário:

  1. Muito legal, mas triste.
    Só não entendi a parte da escada: ela estava no pátio e daí tem outro pátio embaixo onde fica a casinha do cachorro? Bom, até pode ser...

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Estudante de Administração de empresas, apaixonada por livros, cores e músicas. Começou no mundo literário escrevendo contos de suspense. Possui a arte como hobby. Desenhista, pintora, escritora e sonhadora.